Ao final do Brasileiro-2008, o São Paulo conquistava o seu sexto título com uma diferença de 10 pontos para o rival Palmeiras (4º colocado). Era a terceira conquista seguida e a imprensa discutia a possibilidade de uma hegemonia do clube mais rico do Brasil. Já o Alviverde vivia um jejum de taças importantes.
A sete rodadas do final do Brasileiro-2022, o líder isolado Palmeiras tem 27 pontos de vantagem sobre o São Paulo (12º colocado). O time alviverde encaminha a conquista de seu terceiro título de pontos corridos em sete anos. Enquanto, o Tricolor ganhou a Série A pelo última vez naquela edição de 14 anos atrás.
O clássico entre os dois rivais paulistas no Allianz Parque serve para refletir o que mudou neste período para essa mudança de realidades. É preciso confrontar números antigos com atuais para entender como evoluíram as gestões dos dois clubes.
Em 2008, o São Paulo era o clube que mais arrecadava no país: tinha o estádio e a divisão de base mais rentáveis, além de bons acordos de patrocínio. Em valores corrigidos pela inflação (IGPM), o Tricolor paulista ganhou R$ 429 milhões naquele ano. Sua dívida era bem controlada: R$ 156 milhões (em valores corrigidos).
No mesmo ano, o Palmeiras estava entre os quatro com maior arrecadação, mas abaixo do rival. Foram R$ 368 milhões (em valores corrigidos) em receita. O débito também estava em níveis baixos, embora levemente acima daqueles do rival (R$ 181 milhões). Mas sua gestão esportiva era ruim, não tinha divisão de base funcional, contratava mal e caro.
O que ocorre a partir daí? A diretoria são-paulina passa a acelerar os investimentos no futebol, cria um plano caro de reforma do Morumbi para a Copa (fracassou) e passa a perder brigas institucionais como a disputa do Clube dos 13. Os contratos individuais por clubes o tiram do topo da arrecadação de TV, postos ocupados por Flamengo e Corinthians.
Sua divisão de base continua a produzir e vender jogadores em escala: era a mais rentável do Brasil até recentemente. Mas o clube comete erros com outras fontes de receitas: faz um contrato ruim de TV com a Globo, capenga em receitas comerciais e de patrocínio. Seu sócio-torcedor nunca emplaca como o de outros times. O Morumbi se torna um estádio mais antigo comparado com arenas feitas para a Copa-2014.
Em 2021, o São Paulo somou R$ 476 milhões em receitas. Ou seja, na década de boom do futebol, em que cotas de tv, premiações e transferências explodiram, o clube teve um aumento só de cerca de R$ 40 milhões considerados os valores corrigidos. Enquanto isso, sua dívida saltou para R$ 642 milhões. Isso representa o quádruplo do valor de 2008 considerados o montante corrigido pela inflação.
Do lado alviverde, a diretoria começa a enfiar o Palmeiras em um processo similar a partir de 2009. Passou a montar um time caro após o outro, abandonando de vez a política do bom-bonito e barato que vigorava até então. Em quatro anos, a dívida do clube multiplica-se e chega a quase R$ 300 milhões no final de 2012.
É a gestão de Paulo Nobre que faz a correção de rota: reduz gastos, faz um empréstimo vultoso do próprio capital para pagar dívida, estabelece parcelas escalonadas para pagamento. Em termos de receita, o clube começa a reestruturar sua divisão de base. E acerta o patrocínio com a Crefisa que é um salto de receita comercial.
Para além disso, o Palmeiras negocia um contrato de TV melhor do que o São Paulo. Seu estádio Allianz Parque torna-se o mais rentável do país e isso impulsiona o seu sócio-torcedor Avanti para um nível bem superior ao do rival. O dinheiro para contratações começa a jorrar, mas com um base sustentável.
Em 2021, o Palmeiras somou R$ 977 milhões em receitas. O valor é inflado por duas premiações de Libertadores e uma de Copa do Brasil, por duas temporadas em uma. Mas a faixa de renda do clube, atualmente, gira em torno de R$ 700 milhões. Em relação a 2008, o Alviverde mais do que dobrou sua renda no período.
A dívida líquida ao final do ano passado ficou em R$ 434 milhões. Cresceu bastante acima da inflação, mas sustentava por um aumento de receita ainda maior. Uma relação de receita e dívida que é bem menor do que a proporção de 1 para 1, portanto, saudável.
Obviamente, houve méritos e percalços dos dois lados. Esse caminho de Palmeiras e São Paulo de inversão de posições não foi linear durante 15 anos. É certo que, para além de sua má gestão esportiva, a grande diferença entre os dois foi a maior capacidade palmeirense de se adaptar a nova forma de gerar receita em um clube de futebol, enquanto os são-paulinos pararam no tempo neste aspecto.